domingo, 24 de dezembro de 2017

CONTO DE NATAL

O MENINO E O NATAL

O menino olhou para o papai Noel, sentado em uma poltrona enorme, no centro comercial. Seu olhar era mais de indiferença que curiosidade. O homem, mesmo notando o desinteresse do garoto, o chamou para perto.
“Não quer tirar uma foto com papai Noel?” Perguntou.
“Não!” Respondeu o menino, de forma taxativa.
“Toda criança gosta de tirar fotos com papai Noel. Posso perguntar porque você não quer?”
“Meu pai me explicou que papai Noel não existe, que esta roupa é como uma fantasia de carnaval que se usa para vender mais coisas no fim do ano e que essa história de voar em renas é invenção dos vendedores de brinquedos.
O pai observava a cena, orgulhoso dos ensinamentos dados ao filho, enquanto o papai Noel fazia uma carinha de tristeza bem teatral, mas logo abria um sorriso e trazia o menino ainda mais para perto.
“ Seu pai tem toda razão. Não há que comprar nenhum presente por obrigação, só por ser natal; não há porque dar abraços mais apertados, só por ser natal; não há que falar com os amigos, com a família, com desconhecidos, só por ser natal; não há que usar esta fantasia, só por ser natal.” Ele fez uma pausa, para constatar a cara de felicidade do pai e a mesma falta de expressão do menino, e continuou: “Entretanto, eu vejo isto tudo – abriu os braços e olhou para cima, para que pai e filho observassem a bela decoração que tinha sido colocada em volta da poltrona, com árvores enfeitadas, neve de algodão, bonecos imitando anões, renas e outros bichos – e penso que o natal foi feito também para nos lembrar que devemos fazer isso tudo, todos os dias do ano, assim todos os dias serão dias de Natal.”
O menino pareceu suavizar a expressão do rosto, enquanto o pai se aproximava, mostrando-se mais interessado na conversa do homem fantasiado.
“Agora, meu amiguinho – papai Noel pegou uma dessas bolas de vidro, com paisagem dentro, e mostrou ao garoto – Está vendo esta árvore aí dentro, esta casinha com chaminé e esta neve no chão?”
“Sim.”
Papai Noel agitou a esfera e as bolinhas de isopor flutuaram e começaram a cair novamente sobre a árvore e a casinha.
“Agora, se fechar os olhos e desejar com todas as suas forças que o natal seja de verdade, verá o papai Noel verdadeiro chegando nesta casinha para deixar seu presente.”
O menino fechou os olhos com força e os abriu depois de alguns segundos. Ficou maravilhado com o que viu. Um pequeno trenó realmente voava entre os flocos de neve e deixava cair uma caixinha pela chaminé da casa. Olhou então para o bom velhinho e pensou que agora sua barba era real, que as bochechas rosadas eram por causa da neve que começou a cair sobre o cenário do centro comercial e que as renas que pastavam em volta o observavam.
O papai Noel sorriu e abriu a mão esquerda, mostrando que ali escondia uma pequena caixa de presente, bem parecida com aquela que o papai Noel da esfera de vidro tinha deixado cair pela chaminé. Ele entregou o presente ao menino.
“Feliz Natal, meu amiguinho!”
O menino, com um largo sorriso, se lançou ao pescoço do bom velhinho, abraçou-o com força e finalmente descobriu a magia do Natal. O pai, sem outra alternativa, também sorriu e bateu uma foto, registrando aquele momento e prometendo que nunca mais diria ao filho que Natal não existe.
FELIZ NATAL A TODOS.

quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

CORAL É VIDA

CORAL É VIDA!


Não pise nos corais!
Eles são um presente da natureza.
São seres vivos e frágeis.
Respeite-os e apenas admire sua beleza.

Não pise nos corais!
Eles parecem pedra, mas não são.
São sensíveis como qualquer ser vivo
E sofrem se você lhes põe a mão.

Tocar nos corais é como
Ferir o coração do oceano.
Respeitá-los é uma obrigação
De todo aquele que se diz “humano”!



sábado, 11 de novembro de 2017

RETRATO FALADO - CATHARINA SULEIMAN

AS ASAS E A RUIVA
Para: Catharina Suleiman

A maré ruiva se agiganta
Não deixa nada impune
Quem quiser que se faça imune
Ao mar vermelho que se agranda.

Pelos, peles, poros, penas...
Fato é que tudo se consuma
Tudo foge, aparece, se esfuma
Enquanto asas são asas apenas.

Mas asas, meu amigo, nunca são asas apenas!


sexta-feira, 6 de outubro de 2017

RETRATO FALADO - DONA NINA

SIMPLESMENTE NINA

(Para dona Salvelina Martins Airozo)

Quer saber o que me ixtarra seu tanso?
É balico se fazendo de manso.
E se me agarrota a paciência
Mando tudo quanto é ciência
Pro tacho fundo do ranço.

Quer saber o que me intizica?
Babaovo de mamica.
Mas mofa a pomba na balaia
Quem de falatório me faz tocaia
E perde a vida com bobiça.

Meu querido, não me afronte,
Pois viço de guria tenho de monte.
Dijahoje fui na praia,
O mar arredou sua saia,
Reverenciando esta menina
Que será para sempre,
E simplesmente, NINA.


domingo, 24 de setembro de 2017

RETRATO FALADO - DANI CASAQUI

DANI-SE
(Para: Dani Casaqui – Manga-Rosa)

Menina danada!
Diz que dá, mas não dá nada!
O pau que dá em doido
Dá em doido, dá em doido, DÁ EM DOIDO!
A menina danada não dá nada!
Mas é um doce a menina danada.
Seu olhar é um doce;
Seu sorriso é um doce;
Qualquer gesto seu?
É um doce!
Mas mexe com ela, mexe!
Rapadura também é doce,
Mas, tal e qual a menina danada...
É mole? É nada!
Pinta o cabelo, chupa manga de lambuzar,
Bebe mel de cacau de empanturrar,
Pé no chão, cabeça nas nuvens, língua na boca,
Na sua, na tua, nenhuma.
Danada-menina-danada!
Daninha menina?
Que nada!

segunda-feira, 18 de setembro de 2017

RETRATO FALADO - TONY PEPPE

ORGASMICAMENTE PERFEITO

Há quem diga que sou nobre,
Que brinco de alegria ou de tristeza,
Que não diferencio rico de pobre,
E que não me guio pela simples beleza.

Tudo isso é verdade
E mais verdade ainda é minha audácia.
Detesto a burrice e a iniquidade
E sou contra toda falácia.

Me ligo em tudo que dá prazer,
Por isso minha vida é orgásmica,
Não venha você me dizer
Quem é a estrela midiática.
Não vou gastar meu sorriso só pra ver
Tanta gente fingindo ser simpática.

Danço, canto e rebolo, sim, meus queridos
E chamo de amor quem eu bem entender,
Por isso não se assuste se vierem aos gritos,
Muitos bradando “Tony é o poder!”

segunda-feira, 7 de agosto de 2017

MARIA DE LURDES

CUNHADO (A) NÃO É PARENTE

Cunhado não é parente. Taí uma verdade que eu gosto sempre de repetir.
Entretanto um cunhado (a) acaba criando vínculos que muitas vezes vão além do parentesco. Ele (a) se relaciona com seu irmão (ã) diariamente e se seu vínculo com o irmão (ã) é forte, tende a criar uma relação intensa também com este não-parente. Logo virão os sobrinhos, os parentes dos não-parentes e toda uma fauna humana que pode ser deliciosamente sociável, ridiculamente agradável ou simplesmente insuportável.
Há casos mais delicados em que o cunhado (a) não-parente acaba se tornando até mais próximo que o seu cônjuge, formando aquilo que todos chamamos de “a família que escolhemos”. Nesta família cabem todos: parentes, amigos, cunhados, cunhadas e todos aqueles que merecem nosso carinho e respeito.
Há alguns dias perdi um destes não-parentes que faz parte da família que escolhi para mim.
A Maria de Lurdes não é só a mulher do meu irmão ou a mãe dos meus sobrinhos, nem apenas a avó dos meus sobrinhos-netos. Ela é uma luz que continuará brilhando em minha vida física e também em energia, quando eu coabitar a dimensão dos anjos ao seu lado. O brilho de seu olhar, a doçura de sua voz, a simpatia de seu sorriso e a honestidade de seus atos, seguirão povoando minhas memórias para sempre.
Não, Lurdes, você não partiu pura e simplesmente para outra dimensão. Hoje nós compartilhamos com os anjos a sua presença. Claro, eles estarão mais felizes, já que te têm em toda a plenitude. Nós, por enquanto, temos que nos contentar com as lembranças e com alguma fortuita visita em algum sonho, em um soprar de brisa, em um vislumbre da eternidade que agora rima com teu sorriso. Se neste momento, ouvirmos algum farfalhar de asas, algum riso tão infantil quanto verdadeiro, uma voz de alento, um simples suspirar de felicidade, saberemos que você continua a velar por nós, do mesmo modo que velamos tua memória.
Até sempre, amiga, e que os anjos te recebam de asas abertas!

quarta-feira, 2 de agosto de 2017

ANGELS

PRIMEIRO BEIJO ENTRE ALFREDO E NOAH

Alfredo suspirava aliviado, enquanto a bexiga se esvaziava lentamente. Havia uma caixa de som no banheiro e ele seguia a música, tentando cantar baixinho, sem entender o que a letra queria dizer. Sua noção do idioma inglês era demasiado básica para que pudesse compreender a mensagem transmitida pela canção:
I sit and wait
Does an angel contemplate my fate
And do they know
The places where we go
When we're grey and old
'Cause I have been told
That salvation lets their wings unfold
So when I'm lying in my bed
Thoughts running through my head
And I feel the love is dead
I'm loving angels instead

Alfredo não percebeu quando Noah se aproximou, repetindo a letra, baixinho. Pensou que sonhava quando a voz foi soprada diretamente em seu ouvido e a respiração do amigo aqueceu aquele recanto entre a orelha e o pescoço. Seu corpo se arrepiou quando parou de urinar, como se um anjo tivesse escaneado seu corpo – ou seria pelo hálito quente do arquiteto em sua pele? – Fechou os olhos, sonhou com os lábios de Noah e, quando sentiu os braços enlaçando-o por trás, entregou-se aos devaneios impossíveis. Deu a volta, sem ousar abrir os olhos, e entregou seus próprios lábios, como quem dedica uma parte de si para manter alguém que ama respirando.
A língua macia de Noah aventurou-se por entre os dentes de Alfredo, abrindo caminho, buscando saliva e espalhando prazer. Passaria ali o resto da noite se fosse preciso. Apertou o corpo do jovem estoquista contra o seu e sentiu o sexo do outro crescendo entre suas pernas. Abriu os olhos para mergulhar naquele abismo escuro e sedutor do olhar de Alfredo e finalmente conseguiu se afastar apenas o suficiente para sussurrar:
– Vamos embora daqui?


terça-feira, 27 de junho de 2017

PIJAMA

PIJAMA
(para Oscar – assim mesmo, sem sobrenome. Ele vai se reconhecer)

Na constelação de Órion
Já soou o alarme.
Nem precisa fazer alarde
Do que eu gostaria de fazer.
Não há lua cheia que encubra
Meu olhar de prazer.
Talvez apenas Alnitak, Alnilam ou Mintaka descubra
Aquilo que tenho reservado pra você.

No Equador Celeste
Órion é um par de corpos em conjunção.
Não preciso fazer alarde,
Não preciso me esconder.
Sabemos que cedo ou tarde
Alnitak, Alnilam e Mintaka
Me farão despir minha pele
Pra finalmente eu me vestir de você.

Você diz que está em minhas mãos,
Eu digo que estou nas tuas.
Que finalmente Alnitak, Alnilam e Mintaka
Revelem nossas peles nuas.

quarta-feira, 14 de junho de 2017

MUITOS TONS

MUITOS TONS

_ Só tenho meia hora!
Ela não se surpreendeu. Recebeu-me com o mesmo sorriso e me convidou a entrar.
_ Vamos fazer esta meia hora render! _ Contestou.
Seus olhos brilhavam com a expectativa de me subjugar e fazer com que me rendesse aos seus pés.
Fez-me deitar ali mesmo, na varanda, e estirar músculos e nervos, já antevendo que eu realmente sofreria em suas mãos nos trinta minutos seguintes.
A cada urro meu regozijava-se ela! A cada novo toque, nova sensação de pujança! A cada intervalo neste pega e afrouxa um momento de delírio e êxtase que não chegava a ser um “quero mais”, mas um “estou chegando ao meu fim” talvez.
Suávamos os dois. Eu, obviamente, muito mais que ela, pois, entre subidas e descidas, gemidos e gritos, me extenuava a cada nova estocada.
Ela não se dava por satisfeita. Parecia querer me ver acabado, sem forças para voltar para casa. Parecia desejar ardentemente que eu esgotasse ali, em sua varanda, toda a energia de que dispunha e não economizasse nada para o que viria depois.
Era perspicaz, inteligente e visceral. Quando via que eu esmorecia me incentivava com um "estamos quase lá" ou um "você hoje está foda".
A meia hora se esgotou e ainda não tínhamos chegado ao fim. Ela se estendeu propositalmente, eu sei, para aumentar meu sofrimento e minha agonia, ante a possibilidade de um anticlímax que poderia ser fatal para esta relação dominadora/dominado.
Quando finalmente acabamos fugi dali, com as pernas ainda bambas, os músculos latejando e o corpo todo entregue à débil agonia do dever cumprido.
Cheguei em casa prometendo a mim mesmo nunca mais falar para minha personal training que a aula de funcional, que normalmente faço em uma hora, deveria fazer em apenas trinta minutos.

Para minha teacher Maryel Boff


segunda-feira, 5 de junho de 2017

UM MENINO

UM MENINO

O menino olhou para o mundo e sorriu.
Não haveria no mundo, mundo mais lindo que o seu.
Seu mundo estava cheio de luz, bichos e flores.
Encontrou uma centopeia e disse a ela:
“Bom dia, centopeia!”
Ela seguiu seu caminho e ele continuou sorrindo,
Afinal, tinha desejado um bom dia a uma centopeia
E ela, continuando em seu caminho, com certeza,
Era a forma de dizer a ele:
“Bom dia, menino!”
Levantou uma folha e se surpreendeu.
Debaixo da folha se protegiam centenas de formiguinhas.
Devolveu a folha ao seu lugar com todo cuidado.
“Ninguém deve tirar o teto de ninguém”,
Pensou o menino.
Alegrou-se ainda mais o menino
Ao ver uma borboleta pousando aqui e acolá.
“Tão bela é a borboleta”,
Admirou-se o menino,
“E ainda é leve como o ar.”
Mal sabia o menino que, mais leve que a borboleta,
Era o seu pensamento,
Espelho dos olhos vivazes,
Que fazia com que seus sonhos fossem capazes
De para bem longe fazê-lo voar, voar, voar...

terça-feira, 16 de maio de 2017

Apropiaciones e Imperfecciones

"Cuando pensamos en los distintos sentimientos que experimentamos en la vida solo me viene a la cabeza uno que se auto define en una palabra: amistad. El amor lo sentimos de muchas formas e intensidades. Amamos a la familia, a la naturaleza, a los animales, a nuestra pareja. Sentimos rabia hacia la injusticia, la injuria, la corrupción. Pero la amistad es la amistad y punto. Por eso siempre pienso el arte como la amistad. Arte es arte y punto. Puede ser llamada de fea, de agressiva, de sublime, de transcendental. Es siempre arte. No existe arte falsa, como no existe falsa amistad. Y cuando me preguntan cuál de estas palabras define a Leo Macias, yo digo: ninguna de las dos. Aunque cuando pienso en Leo siempre me viene a la cabeza nuestra amistad y su arte, sé que Leo es mucho más que eso. Para mi la palabra que define a Leo Macias es Universo y el Universo Leo Macias está plagado de amistades y de arte, y sé que tanto a uno cuanto a otro Leo jamás volverá la espalda. Hoy os invitamos a conocer la exposición Apropiaciones e Imperfecciones y a zambullirse en este Universo Leo Macias, en su obra que es como la vida misma: instigante, sensorial, imperfecta y apropiadamente bella." Mario de Lima

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

Naturalmente...

O que chega de forma espontânea...

Vai ser amado.
Vai ser, amado.
Vai, ser amado!

Parte espontaneamente...

sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

É ISSO...

É isso...

Eu não quero o que é seu.
Só quero o que é meu.
Mas, o que é meu?
O que como e bebo é meu.
A luz do sol (só aquela) que toca minha pele é minha.
A praia toda não é,
Mas a renda da maré, que me toca os pés, é!
O perfume das flores que aspiro é meu,
Quando devolvo à natureza, já não é.
Os beijos que roubei são meus.
Aquele toque fortuito que guardo na lembrança também.
O meu desejo é meu,
Já o seu desejo...
Ahhh... o seu desejo...
Ainda que seja também o meu desejo,
O seu desejo, amor meu,
Continua sendo seu!

quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

RETRATO FALADO 6 - RENATO NICOLIN

SURREAL
(Para: Renato Nicolin)
Não tentem classificar minh’alma
Como masculina ou feminina ou coisa e tal.
Meu espírito, quando quer realidade, pede calma,
Mas na maior parte do tempo eu sou surreal.

Não adianta ferir minha espinha
Com a adaga fria da traição.
Yemanjá é amiga minha
Me protege e te põe na minha mão.

Ah! Não! Não me venha com promessas vãs.
Eu curto o mar, as ondas e a areia,
Curto o sol de todas as manhãs
E trago a força de Oxóssi na veia.

Um beijo não vai me conquistar;
Nem tampouco uma noite de Gomorra.
Quer mesmo me fazer desmoronar?
Diga logo que me ama, PORRA!

quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

CRÔNICA DE UMA NOITE SEM ALMA

CRÔNICA DE UMA NOITE SEM ALMA

Aquela poderia ter sido uma noite qualquer. Muitas coisas poderiam ter acontecido e não ter passado de um susto, muitos fatos poderiam ser apenas uma anedota e algumas pessoas poderiam ter continuado evoluindo neste plano, aproveitando os ensinamentos da vida e evoluindo antes da passagem.
Mas não foi totalmente assim.
*******
Naquela noite eles faziam a mesma coisa que em outras tantas anteriores. Que se vai fazer em uma cidadezinha do litoral sul da Bahia, sem muitos recursos e cheia de turistas só durante o verão? Oras... Beber com os amigos, jogar conversa fora e celebrar a amizade de muitos anos.
Ritinha foi a primeira a dar sinal de cansaço e alegou sentir-se enjoada e cansada, além de uma dorzinha incipiente na cabeça que pedia para dormir.
_ Vamos, Rosa? Deixa esses meninos aí e vamos nós para casa.
_ Não posso dirigir, amiga. Já bebi umas cervejinhas a mais e não quero arriscar.
Contrariada – e Ritinha não gosta de se contrariar! _ não se deu por satisfeita. Voltou-se para o marido, que provavelmente tinha bebido mais do que Rosa, mas sabe como é... homem aguenta mais o álcool, certo? _ e o inquiriu:
_ Chico. Pegue aí o carro de Juca e leva eu mais Rosa em casa.
_ Seu pedido é uma ordem, minha flor _ deu uma piscadela para Juca, talvez torcendo para que o amigo se negasse _ Empresta aí, brother?
O amigo estendeu a chave.
_ Tá na mão. Mas também tenho que ir para casa.
_ Fica com meu quadriciclo. Logo os encontro em sua casa e destrocamos a condução.
Tudo acertado, saíram Chico, Ritinha e Rosa no carro de Juca e Juca no quadriciclo de Chico. Com a cerveja a mais na cabeça, ninguém se perguntou por que trocar os veículos, já que Juca poderia ir para casa, levando a mulher em seu carro, e Chico faria o mesmo com a sua de quadriciclo.
Mal fizeram a segunda curva na estrada de terra e se depararam com um grave acidente envolvendo duas motos que estavam sendo conduzidas por dois jovens que agonizavam no meio da poeira.
Pararam todos para ver o estado dos acidentados e, ao se darem conta da gravidade dos ferimentos, resolverem não tocar nos rapazes e buscar socorro.
As meninas desceram – Ritinha já sem dor de cabeça e Rosa sem sintomas de embriaguez. O marido de Rosa saltou para dentro do carro e foi com Chico até o posto de saúde, rezando para que, a essas horas da noite, tivesse médico e enfermeiro de plantão.
Encontraram o médico, que se dispôs a acompanha-los imediatamente.
_ Há um problema _ objetou o doutor _ O motorista da ambulância não veio trabalhar hoje.
_ Eu dirijo, doutor _ adiantou-se Juca.
Foram todos para os veículos e - outra surpresa! – nada da ambulância ligar.
O bravo médico não se deu por vencido. Buscou uma corda em seu carro e se prontificou a rebocar o veículo de salvamento.
_ Puxando a ambulância vai demorar muito, doutor _ alertou Chico.
_ Mas na ambulância há equipamentos de primeiros socorros _ explicou o senhor da medicina _ sem eles não poderei fazer nada se o estado dos pilotos é grave como vocês descreveram.
_ Então eu vou na frente _ se ofereceu Chico _ para avisar que o socorro já está chegando.
Todos de acordo e saiu Chico a toda velocidade, com o carro de Juca, em direção ao local do acidente.
Oras... A pressa, a escuridão, um buraco cavado sem prévio aviso – longe de pensar que seja por má condução ou álcool na cabeça! – provocaram um segundo acidente. Chico capotou o carro duas vezes e, por milagre, o veículo caiu de rodas para baixo e nosso herói não sofreu nenhum arranhão.
Atitude óbvia tomou ele: largou o carro capotado e tratou de terminar o percurso a pé ou arriscar uma carona.
*******
No posto policial do vilarejo o soldado Alfredo atendeu uma chamada de alguém aflito avisando que um acidente, envolvendo duas motos, tinha acontecido a cerca de sete quilômetros dali. Estava sozinho no posto e saiu sem pensar duas vezes, pois qualquer atraso nessas circunstâncias poderia custar a vida de alguém.
Conduziu por menos de três quilômetros e se deparou com um carro todo amassado, dando a impressão que tinha capotado.
Desceu da viatura e foi socorrer o motorista que, para sua surpresa, não estava ao volante. Ou já tinha sido socorrido ou estava caído por ali. Vasculhou as redondezas e nada de achar nem corpo nem ferido. Olhou para dentro do automóvel acidentado e encontrou uma bolsa feminina. Os documentos deveriam ser da dona do carro.
Iluminou o nome da dona e acionou o rádio da viatura para comunicar à central que uma “Rosa Silva” tinha capotado o veículo e que já deveria ter sido socorrida, pois os destroços estavam abandonados, inclusive com os documentos da moça. Não havia sangue no local, mas a acidentada deveria estar muito mal para ter deixado seus pertences, ao ser socorrida por pessoas estranhas.
Apagou a lanterna no exato momento em que o carro do médico local passava lentamente rebocando a ambulância com um desconhecido ao volante. O motorista da ambulância arregalou os olhos, mas desviou o olhar do policial e seguiu dirigindo o veículo com motor apagado. O policial entrou na viatura e decidiu seguir o estranho cortejo.
*******
Ritinha arregalou os olhos ao ver a mensagem que tinha recebido.
_ Amiga! _ Dirigiu-se a Rosa _ A Franciele, lá da central de polícia, disse que acabou de receber uma informação de que você sofreu um acidente e está em estado grave!
_ Que loucura é essa? Cadê minha bolsa?
_ Ficou no carro de Juca, que está sendo dirigido por...
_ Chico! _ Completou a amiga _ Liga aí pra minha mãe. Ela não pode ficar sabendo disso. Mês passado teve um ataque cardíaco.
A amiga ligou, mas o telefone estava ocupado. Tentou outras vezes, mas o resultado foi o mesmo.
Foi quando avistaram o carro do médico rebocando a ambulância e a viatura policial com as luzes girando logo atrás.
Para surpresa das duas, Juca desceu da ambulância e foi direto até elas.
_ Cadê o Chico?
_ A gente achava que ele estava com você _ respondeu Rosa.
_ Estava, mas, como tivemos que rebocar a ambulância e o motorista não estava no plantão, eu vim dirigindo e ele veio na frente avisar que o médico já chegava. Pior! Acho... Acho não, tenho certeza que ele capotou meu carro. Meu pau velho tava todo amassado do lado da estrada e este policial que aí vem tava lá vendo os documentos.
_ E porque você não parou, homem de Deus? _ Foi a vez de Ritinha inquirir o coitado _ O Chico pode estar ferido.
_ Tá louca, mulher? O policial podia pedir minha carteira de motorista e eu não tenho. Lá não tinha nem sinal do Chico.
*******
O médico, num exame rápido, percebeu que o estado dos dois acidentados era muito grave. Provavelmente tinham traumatismo craniano e teriam que ser imobilizados antes de serem colocados na ambulância. O problema é que no veículo só tinha uma maca para imobilização.
_ Preciso de alguma prancha reta e dois cintos! _ Gritou para o grupo de curiosos que tinha se reunido ao redor.
Não demorou para que um surfista, conhecido de todos, oferecesse sua prancha de pilotar ondas e logo dois cinturões apareceram e foram atados à cabeça e tórax do rapaz, que já respirava com dificuldade.
O policial fez uma clássica chupeta na bateria da ambulância e conseguiu fazer com que o motor acionasse. Ele mesmo se prontificou a conduzir até o hospital, deixando a viatura por ali e passando uma mensagem para a central, para que outro colega a viesse buscar.
Assim que saíram, o grupo de curiosos foi se dispersando, restando sobre a areia apenas as motos retorcidas, sangue e faróis quebrados.
*******
_ Vamos, Juca! _ Ordenou Ritinha.
_ Vamos pra onde, criatura?
_ Pra onde está seu carro, claro!
_ Meu carro! _ Juca pareceu se recordar só nesse instante do veículo acidentado _ O Chico me paga!
Montaram os três no quadriciclo e voltaram para o local do segundo acidente, onde já havia alguns curiosos e outros mais bem intencionados tentando arrancar as rodas.
_ Não mexe no que não é seu cabra da peste! _ Gritou Juca, fazendo com que um bando de ratos saísse correndo em direção à vila.
Vasculharam tudo e nada de Chico, nem da bolsa de Rosa.
_ Tô te falando, mulé! O policial levou sua bolsa. Amanhã a gente busca no posto policial.
_ Tá bom. Ritinha, liga pra minha mãe de novo.
A amiga obedeceu e desta vez a senhora atendeu. Passou o telefone pra outra e ela pôde tranquilizar a mãe.
_ E Chico? Onde foi parar este louco? _ Quis saber Rosa _ Ligue pra ele, amiga.
Para surpresa de todos, nada mais ligar, ouviram o som de um celular no meio do mato, a cerca de dez metros do carro acidentado. Todos correram até lá e viram Chico estirado no meio do capim, com algumas formigas passeando por sua boca.
_ Meu Deus! _ Gritou Rita _ Meu marido morreu!
Encostou o rosto no ombro de Rosa e danou a chorar. Nem viu quando Juca se aproximou do “corpo” e o examinou com cuidado.
_ Morreu nada, desgraçado! _ Sacudiu Chico e fez com que ele despertasse, chamando a atenção da ex-viúva chorosa.
_ Que... Que que tá acontecendo?
Rita correu a abraçar o marido.
_ Que susto você me deu, homem. Pensei que tinha enviuvado.
_ Posso saber o que aconteceu? _ Perguntou Juca, tentando disfarçar o nervosismo.
_ Eu capotei seu carro...
_ Isso todos nós já sabemos. E depois?
_ Saí correndo, pensando que chegaria até vocês antes do médico, pois ele estava rebocando a ambulância. Mas me cansei logo e resolvi voltar. Quando estava chegando vi o carro da polícia e me escondi o mato, pois não tenho carteira de motorista.
_ E aí?
_ Aí eu dormi.
_ Dormiu, seu descarado? _ Juca pareceu perder a paciência _ Meu carro capotado já estava sendo depenado quando chegamos aqui e você dormindo como um anjinho.
_ Vou te pagar tudo, Juca. Prometo.
_ Isso não tem nem dúvida. Agora vamos dar um jeito de arrastar o capotado pra casa.
_ Vamos tentar ligar? _ Sugeriu Rosa.
_ Só mulher mesmo pra achar que um carro capotado ainda vai dar na partida _ ironizou o marido da pobre.
Entretanto, Chico se sentou ao volante e girou a chave. O motor nem pipocou. Pegou de primeira.
Rosa olhou para o marido, exibindo aquele ar de superioridade que tanto o incomodava cada vez que tinha que dar o braço a torcer.
_ Sai daí, seu safado! _ Gritou para Chico _ Meu carro você não dirige mais.
_ Mas temos que comemorar _ Chico exibiu um sorriso que desmontou a todos.
_ Comemorar o que, marido? Dois amigos se acidentaram de moto, você capotou o carro do Juca e ainda quer comemorar?
_ Claro! Eu não me feri no capotamento, estamos todos saudáveis e continuamos amigos. Temos muito o que comemorar.
_ Só se for em casa _ acrescentou Juca _ Não quero ficar bebo e ter que dirigir depois.
Chico ainda teve presença de espírito para uma última piada:
_ Pois é. Vai que capota!
*******
O menino finalmente abriu os olhos e se deparou com um homem idoso, de barba branca, pele escura e lisa. Pareceu-lhe familiar.
_ Você pode chamar um médico?
_ Eu sou o médico, meu filho. Você já está sendo atendido.
_ Deve ser por isso que minha cabeça já não dói.
_ Não dói agora e não doerá mais.
_ Promete?
_ Prometo.
Foi então que se deu conta que estava deitado sobre uma prancha novinha, de profissional.
_ Uau! E esta prancha, coroa? Eu sempre quis uma quadriquilha. Esta é perfeita pra mim.
_ É sua, meu filho.
_ Pra onde vamos tem onda boa?
_ Só onda perfeita!
_ Legal! Nunca peguei um tubo. Lá eu consigo.
O homem apenas sorriu e estendeu a mão.
O menino, sem saber como chamá-lo, pensou que “Avô” era um bom nome.
Antes de seguir o homem, voltou-se para o outro acidentado sobre a maca da ambulância. O homem respondeu a pergunta que ele só imaginou fazer.
_ Ele será atendido em breve. Logo também estará surfando ondas perfeitas ao teu lado.
*******
O médico baixou as pupilas do primeiro moleque, o que estava atado à prancha de surf. Pensou em chorar, mas não tinha lágrima pronta. Entretanto sentiu um aperto danado no coração. Afinal, até os doutores da medicina se comovem quando alguém tão jovem perde a vida de forma torpe.
_ Esta parece uma noite sem alma! _ Concluiu quando o segundo jovem acidentado parou de respirar.
*******
Nota 1: Apesar das licenças literárias e da imaginação que preenche lacunas que não conheço nessa história, todo o enredo da crônica se desenrolou na noite de 6 para 7 de janeiro de 2017.
Nota 2: Os nomes dos personagens foram alterados ou ocultos, para preservar famílias e dignidades, nesta que, se fosse uma história de ficção, poderia até ser divertida, mas que retrata uma dura realidade.

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