terça-feira, 13 de abril de 2010

PARIS, ABRIL, 2010


Antes de mais nada, quero deixar bem claro que não quero transformar o Jair Panziera em um objeto de culto.
Em seguida gostaria de pedir que só vissem as fotos do link associado a essa postagem depois de ler esse texto. Se já viu as fotos faça um esforço e leia também o texto.
Acho que tudo o que estou passando é um ritual que devo cumprir mais em função do que eu creio que seja uma forma de me adaptar a essa nova situação sem a presença física da pessoa que mais amei na vida e, com certeza, será meu grande amor nessa e em todas as vidas em que eu possa vir a viver.
O grande primeiro passo para aceitar essa separação foi a cerimônia ecumênica antes de que seu corpo fosse cremado.
Eu pensei, então, que o próximo passo seria levar suas cinzas ao Brasil, como ele me pediu há algum tempo, para depositá-las na tumba de seus pais em Mogi Guaçu.
Acontece que me parecia ter um intervalo muito grande (mais de um mês) entre uma circunstância e outra. E acabei decidindo-me a ir a Paris porque era uma das cidades sempre citadas por Jair quando lhe perguntava para onde gostaria de viajar.
Quando estivemos em Paris em 1993 deixamos pendente uma visita ao cemitério de Pere Lachaise, onde descansam os restos de Allan Kardec, Edith Piaf, Maria Calas e do casal de amantes Abelard e Heloise.
Ocorreu-me levar um punhado das cinzas do Jair ao túmulo de Abelard e Heloise por uma razão que talvez só tenha sentido para mim e que gostaria de explicar a quem tenha paciência, e tempo, para ler essas palavras.
Essas duas pessoas viveram durante a construção da catedral de Notre Dame, sendo que Abelard era professor de teologia, com voto de castidade incluído, e Heloise era órfã, sendo que sua guarda foi dada a um tio clérigo que queria casá-la com algum outro rico que pudesse pagar-lhe um dote que o fizesse ainda mais rico.
Claro que Abelard e Heloise se conhecem, apaixonam-se e, com a consumação desse amor, ela fica grávida, tendo um filho chamado Astrolábio.
Depois de muitas idas e vindas casaram-se a escondidas, mas acabam sendo separados a força e Abelard é castrado a mando da igreja.
Os dois acabaram dedicando-se a obras relacionadas com a igreja católica, e só se reuniram após a morte no sepulcro de Pere Lachaise.
Para conhecer melhor a história melhor assistir ao filme (maravilhoso) “Em nome de Deus”.
O túmulo onde ambos descansam é um lugar, mágico segundo alguns, para onde se dirigem enamorados de todo o mundo no dia de São Valentim (dia dos namorados em muitos países) para declararem seu amor ou para reforçarem a promessa de amor eterno.
Foi por essa razão que resolvi deixar ali um pouco das cinzas do meu querido Jair Panziera. Principalmente por ser um lugar repleto de energia positiva e onde as pessoas comparecem principalmente por amor e não por outro sentimento menos nobre.
Pois, cumprido esse compromisso comigo mesmo, acompanhado de Manoel, outro grande amigo do Jair, partimos para cumprir a outra parte de nosso (meu) compromisso: visitar os túmulos de Edith Piaf, Maria Calas e Allan Kardec.
Acabamos passando o túmulo de Edith Piaf por ser muito discreto ou por alguma obra insondável do destino.
Chegamos a um túmulo rodeado de pessoas com mais de 70 anos e acabamos nos informando que estavam celebrando uma cerimônia por ser dia 11 de abril, o dia em que as tropas americanas liberaram os sobreviventes do campo de concentração de Buchenwald e o homem que nos respondia era um sobrevivente desse campo.
Foi emocionante ouvir seu relato, e muito triste saber que quando foi liberado pesando apenas 29 quilos, mas que seguia vivo (com 85 anos) e não queria que o mundo se esquecesse da barbárie a que foram submetidos ele e muitos de seus familiares e amigos.
Foi impossível conter a emoção, principalmente quando ele aceitou posar para umas fotos comigo e me surpreendeu apertando minha mão esquerda com força, enquanto sua esposa me segurava a direita.
Era como se esse aperto de mão me transmitisse a paz que eu necessitava, a esperança que buscava e a confiança de que estava no caminho certo.
Poucas vezes na vida senti uma emoção tão forte, tão pungente e tão cheia de significado como nesse momento registrado na foto.
Claro que acabamos visitando o túmulo (bem discreto) de Edith Piaf, o nicho onde descansam as cinzas de Maria Calas e o sepulcro tão carregado de energia e amor de Allan Kardec, que era um dos poucos repleto de flores (Manoel me explicou que todos os dias do ano alguém deposita flores no túmulo do fundador do espiritismo).
Mas o momento com o sobrevivente de Buchenwald já tomava conta de todos os meus sentimentos e senti como se aquele fosse realmente o objetivo de minha viagem à França: saber que há dores que parecem insuperáveis, mas que devem ser deixadas a um lado para seguir nesse caminho que nos foi destinado.
Jair esteve presente em minha vida durante 22 anos e sua lembrança estará sempre em meu coração (mais que em minha mente).
Não quero e não vou esquecê-lo. Vou amá-lo enquanto viva, mas sei que devo passar a viver o resto da minha vida sem sua presença física.
Esse ritual, não de despedida, mas de “acostumar-se”, devo cumprir não por ele, mas por mim e por aqueles que queiram estar presentes, ao menos em pensamento, nesse processo.
A princípios de maio irei ao Brasil com o resto das cinzas de Jair para deixá-las na companhia dos restos mortais de seus pais no cemitério de Mogi-Guaçu, São Paulo, Brasil.
Será outra etapa dessa fase de minha vida...
Mas ainda tenho pendente uma viagem aos jardins de Keukenhof, na Holanda, outro lugar que Jair queria visitar.
Será que devo reservar um pouco de suas cinzas para colocar num desses jardins?
Quem sabe...

Total de visualizações de página