A LENDA DA TRILHA MÁGICA DE TAIPÚ DE FORA
Há muitos e muitos anos, bem antes de que nossa península fosse considerada uma das maiores maravilhas naturais do mundo, uma família se instalou em Taipú de Dentro, procurando pela paz e pelo sossego de viver em Maraú, longe do progresso e das incertezas do mundo que caminhava a passos largos rumo à modernidade.
A família Anjos logo se fez amiga de pescadores e de indígenas que tinham resistido à colonização da península. Foram estes remanescentes, os verdadeiros nativos da região, que disseram que Zandra, a filha mais nova da família, era tão bela que só poderia ser a reencarnação de Saquaíra, a índia cuja beleza encantara um Deus que, em sua luta para conquistar o coração da guerreira da tribo Mayrahú, formara a cachoeira do Tremembé, a Ilha da Pedra Furada e todas as belezas da península.
Zandra não era só linda. Na flor de seus quinze anos era afoita e inteligente como o quê. Quando ouviu falar da “Barreta” (como antigamente era conhecida a praia de Taipú de Fora) ficou doida para conhecê-la e insistiu com o pai, a mãe, o irmão e as duas irmãs mais velhas. Ninguém quis levá-la ao outro lado da terra, onde o mar batia com força, onde havia recifes de corais e pedras que cantavam, onde havia sereias e boitatás e onde se dizia que a natureza era tão perfeita que ninguém conseguia fugir de seu encanto, sucumbindo nas águas do oceano ou na extensa mata que bordava a faixa de areia fina e deslumbrante por infindáveis quilômetros que iam do rio de Contas até o Mutá.
Ora, mas se havia tanta gente boa em Taipú de Dentro, também havia quem invejasse a bela menina da cor de azeviche e desejasse que ela simplesmente virasse sereia nas águas da Barreta.
Sônia, também bela e faceira, também jovem e esperta, logo viu seu domínio sobre os olhares da região fosse ameaçado pela chegada de Zandra. Mas Sônia tinha alguns anos a mais de vida, alguns romances extras de experiência e muito mais malícia que a menina ingênua que ainda conhecia pouco da maldade humana.
“Eu levo você, menina”, diria ela em um encontro quase casual. Vamos no dia da lua nova, que a maré baixa e você vai ouvir as pedras cantarem na Barreta.
Assim fizeram. O pai tinha saído para pescar antes da alvorada, a mãe aproveitou para mariscar na baía de Camamu e os irmãos estavam ocupados com tarefas as mais diversas.
Zandra seguiu a nova amiga por trilhas encantadoras entre seu vilarejo e o lado desabitado da península. Avistaram bromélias gigantes e orquídeas espetaculares. Cruzaram o caminho de sucuris, saguis e até viram pegadas da temida onça pintada, ainda abundante nesta região por aqueles tempos.
Ao chegarem à famosa Barreta, Zandra pensou que jamais veria nada tão belo, por mais que vivesse, que aquele pedaço do paraíso. Uma esplêndida praia de águas cristalinas,cercada por uma barreira de corais, formando a piscina natural que só poderia ter saído dos sonhos de perfeição do nosso criador.
Jogaram-se nas águas mornas sem medo de ser feliz. Nadaram durante muito tempo e só quando a menina se cansou é que se lembrou da pedra que canta.
Sônia a levou para cima das rochas formadas pelos corais.
“A maré já está subindo. É hora de ouvir o canto das sereias nestas fontes da Barreta.”
Encontraram uma brecha no coral, por onde a água fluía quando a maré voltava para inundar a praia e fecundar a areia.
Zandra encostou a orelha na cavidade apontada por Sônia e arregalou os olhos quando um ruído melodioso soprou pela fenda.
Uuuuuuôôôômmmmmmmmm...
Sônia a incentivou a procurar outras fontes de pedra para ouvir os diferentes cantos do mar e ela obedeceu.
Aproveitando-se do encantamento da menina, a vizinha invejosa foi se afastando e embrenhou-se na mata, para pegar o caminho de volta a TaipÚ de Dentro.
“A menina gosta do canto do mar?” Perguntou uma sereia, através de uma das fontes de pedra, onde Zandra foi escutar seu canto.
“Gosto muito!” Respondeu, assim que conteve seu espanto.
A sereia, então, fez com que a bela negra seguisse seu canto, até o limite da barreira de corais, nadando pelos tuneis submarinos, e colocou para fora da água sua parte humana, deixando a parte peixe sob o espelho d’água.
“Tome.” Estendeu-lhe uma linda concha. “Mesmo distante daqui, sempre que quiser ouvir meu canto, aproxime esta concha do ouvido e entoarei a cantiga do mar para você.”
Zandra exibiu o mais belo sorriso que podia e o deu de presente à sereia, em retribuição à joia que tinha acabado de receber.
A princesa do mar deve ter ficado satisfeita com o sorriso regalado pela menina, pois também sorriu e saltou para o alto, mergulhou de volta no mar e desapareceu sob as águas.
Foi só neste momento que Zandra se lembrou de Sônia. Voltou o olhar para a praia, para mostrar à amiga o presente que recebera da sereia e a voz secou em sua garganta. Não avistou ninguém e, sabendo que a maré não tardaria em cobrir a barreira de corais, correu para a praia.
“Sônia! Sônia!”
Seus gritos foram em vão. O sol começava a se por detrás da mata que circundava a extensa praia. Logo estaria escuro e ela se deu conta que deveria voltar a Taipú de Dentro. Procurou algum indício que a fizesse localizar o local por onde tinha chegado naquele lugar maravilhoso e descobriu a mais bela orquídea que seus olhos já tinham visto.
“Só pode ser por aqui que devo voltar”, pensou, “algo tão lindo não pode esconder perigos.”
Adentrou à mata Atlântica, mas logo a luz do sol, escondendo-se na baía e Camamu, começou a faltar e a menina ficou apreensiva. Tentou apressar o passo, mas era inútil. Tropeçava em cipós que se transformavam em cobras que saíam serpenteando, esbarrava em flores que viravam morcegos e tocava em folhas que provocavam coceira em sua pele adolescente. Conteve-se para não chorar e tentou manter a calma e o olhar a determinado ponto imaginário onde achava que estaria localizada sua casa e o aconchego de seu lar.
A escuridão se abateu sobre a floresta quase que repentinamente. Era noite sem lua e as estrelas quase não eram vista através da densa folhagem.
Cansada e quase em desespero, Zandra sentou-se em uma pedra, na única clareira que conseguiu descobrir no meio da mata. Para tentar se acalmar, aproximou a concha do ouvido e realmente se deu conta de que a sereia não a enganara. O mar cantou forte pela cavidade da concha e ela conseguiu sorrir. Era como se a própria sereia estivesse ali, para que não se sentisse sozinha.
Algo maravilhoso aconteceu então. Uma luz pequenina apareceu, saindo detrás de uma frondosa árvore. Em seguida pareceu esconder-se de novo, para depois se mostrar mais perto, e mais perto, e mais perto. À medida que se aproximava, a luz crescia e, ao chegar a escassos dois metros de onde estava Zandra, mostrou um corpinho delgado, de pouco mais de dez centímetros de altura, com asas de libélula e rosto de duende.
“Você é uma fada?” Perguntou a menina, lembrando-se das histórias que tinha ouvido sobre estes seres maravilhosos que habitavam essa região.
“Sou a fada de Taipú de Fora”, respondeu uma vozinha saindo do centro da luz, sem que a fadinha movesse a boca. “Não tema, Zandra.”
“Não tenho medo. Como você sabe meu nome?”
“A sereia me contou. Foi ela que me pediu que te ajudasse.”
“Não disse meu nome à sereia, mas ela deve ter lido meus pensamentos”, pensou a menina, dando-se conta em seguida que toda vez que colocasse a concha no ouvido estaria em contato com a sereia. “Estou perdida.”
“Vou iluminar seu caminho até sua casa”, informou a fada, balançando um graveto fininho e soltando milhares de pirilampos que iluminaram tudo ao redor. “Siga pela trilha apontada pelos vagalumes e chegará sã e salva em sua casa.”
Depois de mover os lábios, como se sorrisse, a fada de Taipú de Fora brilhou intensamente e desapareceu, deixando os pirilampos a iluminarem o caminho de Zandra. Ela os seguiu através da Trilha Mágica e chegou, algumas horas depois, em sua casa. Ao contar sua história ninguém acreditou e, para se livrar do castigo, fez com que cada um ouvisse o canto do mar na concha presenteada pela sereia. Todos se encantavam e passavam a acreditar em Zandra.
Sônia acabou se tornando amiga da menina e pediu desculpas por tê-la abandonado na Barreta.
A Trilha Mágica acabou sendo engolida pelas construções em Taipú de Fora, mas uma parte dela ainda existe e é preservada pela comunidade local. Alguns dizem que em noites sem lua avistam a fada que ali habita, mas que ela é muito tímida e logo se esconde, mas sempre envia seus pirilampos para iluminar o caminho dos que respeitam a natureza.
De vez em quando também se encontram conchas que soam de forma diferente, uma melodia triste, pela contaminação dos oceanos. Se encontrar alguma destas conchas em Taipú, saiba que ela também guarda o canto de uma sereia que te pede que cuide de nossos mares, rios e florestas, só assim ela voltará a entoar melodias felizes.
Um comentário:
Sensacional Mário, que as pessoas que por aí passem percebam a importância da preservação da matinha e contribuam com a sua manutenção. A Fadinha agradece!
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